segunda-feira, 21 de julho de 2008

Autocarro 58 (uma dissertação sobre mobilidade urbana)

O cheiro a naftalina entra-me pelas cavidades nasais, o autocarro é de facto o meio de transporte mais popular e universal que existe, enquanto me desloco com pesar para mais um dia de trabalho não consigo evitar traçar um mini-perfil sociológico transversal da sociedade Portuguesa:

Há quem não passe sem o seu desatino matinal e, devo dizer que nutro grande estima por essas pessoas, são maldispostas e não o escondem, preferiam tal como eu estar a dormir no conforto da sua cama em vez de estar enfiados na promiscuidade permissiva de um autocarro matinal.

Os velhos são os velhos, não há nada a fazer, cheiram mal, são mais embirrentos que os putos, têm a mania que têm sempre razão, e por alguma razão apesar de estarem reformados andam sempre nos autocarros em hora de ponta como se tivessem de ir para algum lado, é, sem dúvida um fenómeno interessante.

De todo este leque multicultural que partilha o autocarro matinal comigo as que eu prefiro são as jovens que acabaram recentemente o seu curso e iniciaram-se no nojento mundo do trabalho, frescas, com os seus “tailleurs” impecaveis, cheias de energia para dar, o cheiro dos seus champôs alivia um pouco o ar pesado e macilento que os velhos emanam, é uma especie de equilibrio cósmico.

Encontra-se de tudo num autocarro de manhã, desde o jovem estudante com 2 quilos de gel no cabelo, o metaleiro a ouvir Slayer tão alto que todo o autocarro está a abanar a cabeça e ter pensamentos satânicos, o “pintas” de bigode e camisa aberta a mostrar o pêlo a galar as miudinhas do liceu que soltam gargalhadas histéricas enquanto falam do episodio de ontem dos morangos com açucar…Tanta gente sem nada que os ligue uns aos outros sem ser o facto de que precisam de usar aquele meio de transporte para se deslocarem de um determinado ponto até outro, no entanto, iludem-se, fazendo todo o tipo de “joguinhos” sujos, o “flirting” matinal, o galanço mútuo, as caras que se vão tornando conhecidas por serem repetidas e rotineiras… como se houvesse uma relação causa-efeito por estarem no mesmo meio de transporte, todos os dias, à mesma hora.


Eu ando de autocarro porque é mais barato, mais ecológico, e porque ando sempre bêbado e sobre o efeito de estupefacientes, logo para além de me poupar dinheiro e ser melhor para o ambiente, mantem-me afastado de problemas com a justiça e de possiveis acidentes de viação, contribuindo assim para um
Portugal melhor.

Assim sendo, o cheiro a naftalina e o “wrestling” matinal são afinal um preço baixo a pagar comparando com as vantagens que advêm de usar o autocarro como meio de transporte altenativo, além de ser um excelente laboratório de estudos sociologicos e uma alternativa rápida, económica e ecológica a ditadura do automóvel, mantem as pessoas que estão dentro dele fora da estrada como condutores, o que pelo menos no meu caso ajuda bastante a manter a taxa de sinistralidade rodoviaria estabilizada.



Utente decadente

Sem comentários: